Saturday, April 24, 2010

 

Ficha (e consciência) limpa.


A proposta de Lei da Ficha Limpa – subscrita por um milhão de eleitores - foi efusivamente recebida pelo presidente da Câmara Federal, Michel Temer, conforme se vê ao lado. Puro teatro, pois o astuto político impediu a votação da proposta. O que pode evidenciar mais ainda a profunda crise de legitimidade de nossas instituições políticas? O Congresso Nacional do Brasil deveria ser a caixa de ressonância da vontade popular, o supremo Templo da Democracia, mas constatamos que suas preocupações cotidianas priorizam os interesses corporativos, os pequenos favores, as verbas destinadas aos ‘currais’ eleitorais, as benesses pessoais (as famosas ‘mordomias’) e, claro, a próxima (re)eleição. Montesquieu (1748) nunca foi tão atual: “Os políticos gregos, que viviam no governo popular, só reconheciam uma força capaz de mantê-los: a força da virtude. Os políticos atuais só nos falam de manufaturas, de comércio, de finanças, de riquezas e até de luxo.”

Essa situação permite que o Congresso não se digne sequer a votar um projeto de iniciativa popular com um milhão de assinaturas. Não é a primeira vez que o parlamento dá às costas à opinião pública em momentos de grande mobilização social. Vimos recentemente, por ocasião da enxurrada de denúncias contra o presidente do senado, José Sarney - que gerou uma onda de repúdio nacional – a impavidez (ou seria cara-de-pau?) que o octogenário político (sem dúvida, um dos ‘donos do Brasil’) permaneceu agarrado à poderosa cadeira, tal como um rei ao seu trono.

Mas nada supera o momento de maior dissintonia dos políticos com a vontade do povo ao calar as vozes de dezenas de milhões de pessoas nas ruas na campanha das Diretas Já, rejeitando a volta das eleições presidenciais em 1984 – e por ironia do destino, a Presidência da República acabou caindo no colo de Sarney, até meses antes chefe do partido que sustentou a ditadura militar.

Há pouco tempo também foi noticiado que o deputado Paulo Maluf pode ser preso se visitar algum dos 180 países abrangidos pela Polícia Internacional: o único lugar que ele pode ficar solto é aqui! A impunidade gera um descrédito muito grande na atividade política, um desalento que vai minando a crença da população de que a democracia é o melhor caminho para a sociedade. Em ambientes assim podem prosperar ‘salvadores-da-pátria’, demagogos cujo discurso fácil promete facilidades impossíveis de se obter inclusive em um regime de força.

Mesmo que pareça que o Brasil já tenha atingido um patamar mínimo de maturidade que descarta soluções mágicas, não podemos ignorar a possibilidade de retrocessos políticos. Necessitamos fortalecer as instituições e para isso a reforma política é imprescindível.

A constituinte de 1988 não conseguiu empreender todas as mudanças almejadas porque a tarefa coube ao mesmo Congresso forjado na ditadura militar. Para garantir seu domínio político, o regime dos generais ‘amansou’ o parlamento nacional, não só através das cassações, como pela concessão das famosas ‘mordomias’ e a imposição de uma representação distorcida da população, privilegiando os rincões onde a então Arena tinha mais força.

É evidente que aqueles que usufruem de privilégios injustos não queiram espontaneamente abrir mão deles. Portanto, uma constituição feita por esse Congresso viciado desde a origem não pode representar todos os anseios do povo brasileiro. É necessário, então, que seja convocada uma Assembléia Nacional Constituinte Exclusiva, cujos membros tenham como tarefa única a elaboração da Carta Magna de nosso país.

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